a) – Os instrumentos Segundo a classificação de Hornbostel, consagrada em 1914 através dos contributos fundamentais de Curt Sachs e Erich von Hornbostel, os bombos e as caixas são instrumentos musicais pertencentes à família dos membranofones, na medida em que o seu princípio de produção do som resulta da vibração de uma membrana, neste caso peles de animais. Possuem caixa de ressonância cilíndrica, a que, pela sua forma, se chama tambor, revestido nos dois topos por peles retesadas, as quais são percutidas com baquetas (nas caixas) ou massetas (nos bombos), estas popularmente designadas por “mocas” ou por “maçanetas”. O som é produzido por esta percussão sobre as peles. Uma vez que cada instrumento possui duas peles, uma em cada topo da caixa de ressonância, a classificação organológica das caixas e bombos em apreço, situa-os como instrumentos bi-membranofones de percussão indireta. A caixa tem um bordão ao rés da superfície de uma das peles, a qual leva, por isso, o nome de berdoeira. Esse bordão é uma fina corda de tripa (hoje preferencialmente de outros materiais, como nylon) que ressoa com a vibração originada pelos batimentos das duas baquetas na outra pele. O bombo não apresenta nenhum bordão, pelo que pode ser percutido nas duas peles, que vibram livremente. Dadas as respetivas dimensões do tambor ou caixa de ressonância, quer no diâmetro, quer na altura, um bombo produz um som mais grave, cavo e ribombante, ao passo que a caixa tem uma sonoridade mais aguda e reverberante, também por força do dito bordão, fornecida também pelos batimentos repetidos e de curta duração musical, a que se dá o nome de rufar. Daí que a sua denominação resulte da antiga designação militar “caixa de rufo”, por simplificação apenas caixa.
b) – Características gerais e modo de uso dos bombos e caixas No concelho do Fundão, os bombos são do tipo largo, com diâmetro até 75 cm. e as caixas até 45 cm. de diâmetro. A maior parte dos bombos tem cerca de 25 cm. de altura, ao passo que as caixas apresentam cerca de 20 cm. As dimensões da largura e da altura variam com a preferência dos construtores. Ambos os instrumentos têm peles retesadas por corda corrida. No território de influência do presente pedido, os bombos transportam-se a tiracolo, que normalmente é uma correia/cinto que passa sobre o ombro direito e sob o braço esquerdo, prendendo aos arcos de ambos os lados e ficando em regra um pouco inclinados, com as peles na vertical, a do lado direito – a batedeira – voltada para cima, a outra – a berdoeira – ligeiramente inclinada para baixo. Esta atribuição da designação de “berdoeira” à pele menos percutida do bombo resulta de uma generalização popular errónea (e só por alguns dos tocadores), por simpatia com a denominação da pele inferior das caixas, esta sim verdadeiramente berdoeira porque possui um bordão. As caixas transportam-se de forma idêntica, mas menos inclinadas, ou seja, as peles ficam numa posição quase horizontal. A caixa é tangida na pele superior com recurso a duas baquetas. A pele inferior, ou berdoeira, nunca é tangida. Chama-se berdoeira porque, como explicado supra, possui um bordão, um fio de tripa, aplicado rente à superfície dessa pele, para a fazer retinir com a vibração produzida pela percussão da outra pele.
c) Funções A principal função musical das caixas e bombos é o acompanhamento rítmico de outros instrumentos, estes melódicos, no caso do Fundão os pífaros. Sem embargo, no Entre Douro e Minho ocorrem por vezes desacompanhados de instrumentos melódicos, circunstância que o povo designa por (só) “pancadaria”. As caixas e os bombos, pela força e vibração sonora que deles se desprende, estão intimamente associados a ocasiões festivas: arruadas, alvoradas (anúncio matinal do dia de festa), acompanhamento das comunidades às romarias beirãs, nomeadamente, no caso do Fundão, à romaria de Santa Luzia, nas imediações do lugar de Castelejo, a 15 de Setembro, data e romaria que, pela sua importância na vida das gentes, é feriado municipal. Mas, como salientou Ernesto Veiga de Oliveira no seu monumental estudo sobre os “Instrumentos Musicais Populares Portugueses”, os tambores assumem também, por vezes, “funções cerimoniais, frequentemente de grande relevo, em inúmeras solenidades públicas e são mesmo, em alguns casos, de natureza cerimonial qualificada”. No caso do aro concelhio em apreço, uma das funções mais importantes que os tambores chegaram a desempenhar foi a sua presença imprescindível nas chamadas “folias do Espírito Santo”, conjuntos instrumentais que, desde o Domingo de Páscoa até ao Pentecostes, percorriam as aldeias, assim como a vila do Fundão, fazendo peditório para a respectiva festividade. Tocavam pelas ruas acompanhando os mordomos do Espírito Santo, que transportavam a bandeira com a pomba bordada, símbolo do Paracleto, e o saco para receber as oferendas. Tocavam e cantavam também em casa dos mesmos mordomos e do imperador, aquando das refeições por estes oferecidas ao longo dos cerimoniais de todo o peditório e da festa. Os instrumentos musicais dessas folias eram variáveis, mas o conjunto integrava obrigatoriamente um tambor, ao parecer porque o seu toque conferia mais solenidade ao trecho musical. Por vezes, ele era mesmo o único instrumento que acompanhava, no domínio rítmico, o canto dessas folias. Deliu-se por completo todo o aparato destes festejos ao Espírito Santo. As últimas presenças das folias nestas ocasiões terão ocorrido, segundo testemunhos orais, por volta dos anos 1930/40, tanto no aro concelhio do Fundão como em geral na Cova da Beira. Sem embargo, foi ainda possível gravar o notável canto de uma dessas folias com acompanhamento de tambor em simulacro – recolha de José Alberto Sardinha, em Alcongosta, 1981, que se reproduz na documentação sonora desta candidatura. E reproduz-se também uma fotografia da Folia de Vale de Prazeres tirada em 1935 durante o espetáculo de música regional da Beira Baixa que teve lugar em Castelo Branco em 21/11/1935 por iniciativa da Emissora Nacional, onde é visível a respetiva composição instrumental: violinos, banjolim, pífaro, violão, chim-chins (pandeireta sem pele, ou seja, um arco ou acincho – e daí a corruptela popular para tchim-tchim) e tambor, rectius uma caixa de rufo – A Beira Baixa ao microfone da Emissora Nacional de Radiodifusão, de Jaime Lopes Dias, p. 90. Mantêm-se, contudo, duas funções cerimoniais de relevo a cargo dos bombos e caixas do Fundão: - uma, é o toque que executam na cerimónia solene do feriado municipal, na manhã do dia 15 de Setembro, à entrada do edifício dos Paços do Concelho; - outra, é o acompanhamento grave e soturno de algumas procissões da Semana Santa (verbi gratia Donas e Alcongosta), em que, desacompanhados do instrumento melódico, executam o toque compassado e solene que nos cortejos mais importantes (como é o caso da Procissão do Enterro do Senhor na cidade) está a cargo da fanfarra dos Bombeiros Voluntários, ou noutros casos (Peroviseu), do naipe de percussão das bandas filarmónicas.
d) – Significado social dos grupos de bombos e caixas do Fundão Os Grupos de Bombos constituem hoje um elemento musical de grande originalidade e de saliente relevância cultural no território da Cova da Beira e particularmente no aro concelhio fundanense. Eles assumiram-se, ao longo do último século, não só como um elemento potenciador e estruturador da identidade local, afirmada a partir da conjugação de sons, ritmos e contextos muito próprios, mas também como possuidor de uma dimensão e afirmação icónica de expressão regional. Há grupos de bombos em diversas localidades de todo o concelho do Fundão e a utilização destes instrumentos perde-se temporalmente na memória e na história popular das comunidades. É certo que também noutras províncias e regiões do país existem grupos instrumentais compostos por bombos e caixas, em geral como acompanhantes rítmicos de um outro instrumento melódico, a gaita-de-foles (por vezes sem ele, “só pancadaria”, como já referido). Esses grupos levam o nome de Zés-Pereiras ou Zabumbas, sobretudo no Entre Douro e Minho, onde são particularmente abundantes. Também no território fundanense eram assim denominados ainda nos princípios do séc. XX. Todavia, a pouco e pouco, a sua denominação popular transitou para grupos de pífaros ou só “pífaros” (alusão ao instrumento melódico cuja sonoridade sobressai no conjunto instrumental) ou, seguidamente, de “bombos”, vindo esta última a consagrar-se definitivamente na nomenclatura popular fundanense. Exs.: os bombos de Silvares, os bombos de Lavacolhos, os bombos do Souto da Casa, etc. A sonoridade obtida pela conjugação dos referidos pífaros com a componente percutiva a cargo dos bombos e caixas é verdadeiramente surpreendente e original. A maior parte dos trechos interpretados por estes agrupamentos fundanenses tem natureza meramente instrumental, mas por vezes junta-se-lhes a voz humana entoando cantigas populares. Em qualquer dos casos, o reportório é o que corre na tradição popular, assumindo portanto, também por esta razão, carácter regional. Este conjunto instrumental, assim constituído por pífaro(s), caixas e bombos, acompanha desde tempos imemoriais as respetivas comunidades às romarias da região – e aqui desempenha função de representatividade social que não se evidencia em nenhuma outra região do país. A chegada à capela ou ao santuário venerado é momento de grande vibração popular. Os peregrinos de cada aldeia irrompem pelo arraial em cortejo encabeçado pelo grupo de bombos da sua terra, em frenesim de orgulho bairrista e de exibição, perante a curiosidade, o entusiasmo e o aplauso de todo o povo que aí se aglomera. Esta afirmação musical das comunidades é ainda hoje visível nas romarias da região, particularmente na Santa Luzia, centro de peregrinação religiosa do mais alto significado para todos os fundanenses. Lembre-se que Amália Rodrigues, já lançada no estrelato nacional, acorreu por vezes, como todos os que possuíam e possuem raízes no Fundão, a esta romaria. É remarcável, por todo o exposto, o carácter identitário que estes grupos de bombos assumem para cada uma das localidades onde estão radicados e de que são representantes. E é também assinalável a sua contribuição, através desse valor representativo, para a coesão social das respetivas comunidades.
e) – Construção e. 1. – Composição morfológica dos bombos e caixas Os instrumentos em estudo são constituídos pelas seguintes partes e materiais: - fuste: corpo central de forma cilíndrica, a que por isso se chama tambor. Função: caixa de ressonância. Materiais: chapa de zinco (Álvaro Pires Gonçalves, Américo Simão, António Joaquim Estêvão, Fernando Geraldes Brasinha, Fernando Laranjo Brasinha e Paulo Piçarra Bernardino), bidões cortados (Emílio Figueira); fórmica (Emílio Figueira e João Faísca Barreiros), tabopan (António Nunes dos Santos) e chapa aproveitada de frigoríficos e arcas de congelação (Domingos Afonso Atalaia Fernandes). - peles: peles de cabra, que constituem as membranas a percutir, colocadas nos dois topos do fuste – quase todos os artesãos. Apenas Emílio Figueira e João Faísca Barreiros referem também a utilização de pele de chibo. - aros ou arquilho: varas delgadas, torcidas em redondo, às quais são cosidas as peles para serem ajustadas nos topos do fuste. Materiais: de silva (Álvaro Pires Gonçalves, Américo Simão, António Joaquim Estêvão, José Faísca Fernandes, Fernando Geraldes Brasinha, Fernando Laranjo Brasinha e Paulo Piçarra Bernardino); de madeira de castanheiro em rebentos novos e por isso muito delgados (António Nunes dos Santos); cabo elétrico (Domingos Afonso Atalaia Fernandes, Emílio Figueira e José Faísca Barreiros), barras de alumínio (Domingos Afonso Atalaia Fernandes) e varas de ar condicionado (Domingos Afonso Atalaia Fernandes). - arcos exteriores ou de vista: ripas finas de madeira de castanho, vergadas em redondo para servirem de remate e de sustentação às peles (depois de cosidas e colocadas nos topos do fuste) e de suporte aos ganchos ou grampos, tanto no topo superior do tambor, como no inferior – todos os artesãos, exceto Domingos Inverno (alumínio) e Emílio Figueira (madeira de negrilho). - grampos ou ganchos: em metal, geralmente zinco (todos os artesãos), em forma de “S”, colocados nos arcos de vista, pelos quais passam as cordas que, percorrendo a superfície externa do fuste do topo superior para o inferior e vice-versa, dão robustez ao instrumento, contribuem para o retesamento das peles e respectiva afinação e unem todos os outros elementos do instrumento. Apenas Emílio Figueira e José Faísca Barreiros compram estas peças já feitas. Fernando Geraldes Brasinha utiliza pregos para fazer os grampos para as caixas. - as baquetas e as massetas ou mocas: são de madeira, as primeiras com cerca de 40 cms. destinadas à percussão das caixas e as segundas com cerca de 30 cms. destinadas aos bombos. Estes têm uma cabeça volumosa em cortiça, que é revestida com pele de cabra. e. 2. – Ferramentas: navalha, tesoura, alicate, alicate de corte, martelo, torno, fieira, calandra, agulha de sapateiro, linha de sapateiro, cola, maçarico. Saliente-se a “mula”, aparelho longo em madeira, com assento para o artesão, onde este corta e aplaina as ripas de castanho. e. 3. – Construção dos instrumentos O fabrico de um bombo inicia-se com a construção do fuste, que é a caixa cilíndrica que constitui o corpo central do instrumento. Para tal, é utilizada folha de zinco, ou tabopan, fórmica, chapa de bidão ou chapa de frigoríficos ou de arcas congeladoras. No caso do fuste de folha de zinco, os bordos da chapa são dobrados com recurso a uma fieira, onde é colocado arame na bainha, por forma a conferir mais resistência ao fuste. A chapa é posteriormente formatada em arco, com recurso a uma calandra ou manualmente e soldados ou grampeados para ficar com o formato circular. Os de chapa de bidão são cortados à medida e os de frigoríficos são cortados, dobrados nas suas partes laterais e formatados em arco manualmente e soldados ou grampeados para ficar com o formato circular. Os fustes em tabopan ou fórmica são formatados em redondo depois de submersos em água. O fuste de tabopan é reforçado no seu interior com duas ripas de madeira de castanheiro pregadas e o de fórmica com ripas de madeira colada no seu interior. É efetuado um pequeno furo a meia largura, normalmente na posição oposta ao local da união do fuste. Esse orifício, conhecido por alguns construtores por “ouvido”, mantém em equilíbrio a pressão interior deste instrumento de percussão quando está a ser tangido. Se não existisse o ouvido, as peles poderiam romper-se com muita facilidade, atenta a pressão a que são sujeitas com os fortes batimentos. Além disso, o ouvido ajuda à projeção do som, ao ressoar do bombo. O aro obedece ao diâmetro que se quer do instrumento, sendo posteriormente soldado nos casos dos de metal; colado no caso de madeira de castanheiro ou unido com recurso a fio zincado ou fio de algodão no caso do caule de silva. Para as membranas de percussão é utilizada pele de cabra seca, que é preferível à de chibo por ter um cheiro menos intenso. A pele deve ficar submersa em água durante algumas horas até ficar mais macia e maleável. A pele molhada é esticada, cortada e cosida sobre um arquilho e conformada em círculo. A pele é cosida com um fio, em volta do arquilho, envolvendo todo o redondo do bordo na parte exterior e com o pêlo da pele para fora. O arquilho é então colocado sobre o fuste. António Nunes dos Santos utiliza cola para fixar a pele ao arquilho. Posteriormente são efetuados os arcos exteriores que ficam à vista. As ripas para esses arcos têm o comprimento de acordo com o diâmetro do instrumento que se está a construir e com cerca de 5 cms. de largura. As ripas em madeira são submersas em água por forma a ficarem mais macias, a fim de serem com mais facilidade vergadas em redondo, de acordo com o diâmetro do fuste. As pontas são presas com recurso a fio zincado, excetuando João Faísca Barreiros e Emílio Figueira que também utilizam cola. As ripas de madeira de castanheiro não podem ter nós, para não quebrarem durante o processo de modelação, de verga em redondo. Para facilitar a modelação do material pode ser submetido ao calor do fogo, técnica idêntica à utilizada para o fabrico de cestaria em verga. Os arcos em alumínio são formatados em redondo e as pontas soldadas. Os arcos servem também para prender os arquilhos no fuste, em ambos os topos deste. Seguidamente são colocados os grampos, que são pequenos ganchos de zinco em forma de “S” com cerca de 5 cms., os quais são fixados nos bordos dos arcos exteriores e ao longo destes. Aplica-se então uma corda com cerca de 8 mm. de secção, que aperta os grampos correndo-os sucessivamente desde os superiores aos inferiores, com laços em forma de “Y”, que os puxa através de entrecruzamento corredio e os torna firme com duas passagens. O pêlo da pele é cortado com uma tesoura e, no caso das caixas, é rapado com recurso a uma lâmina. Essa operação pode ser efetuada no final da pele ser cozida no arquilho ou no final do instrumento estar montado. Findos estes processos, o bombo fica com a pele a secar, com a corda lassa. Depois de a pele estar seca, a corda é apertada para esticar a pele e afinar o instrumento. A pele também pode ficar a secar antes de os arcos dos instrumentos serem montados. A operação final consiste em colocar uma correia de suspensão no instrumento. Os instrumentos, depois de serem utilizados, devem ficar com a corda lassa a fim de serem preservadas e conservadas as membranas de percussão. A técnica e metodologia empregues para a montagem e construção dos bombos é semelhante à das caixas, apenas diferindo nas medidas do instrumento. Na membrana inferior das caixas são colocados bordões, em arame ou em corda fina de couro, antigamente em tripa, que são fixados no arco. Com os restos de pele de onde foram cortadas as membranas destinadas à percussão, são forradas as cabeças das massetas, ou mocas, dos bombos. Essas cabeças são feitas de “bolas” de cortiça que encaixam na madeira do cabo. Os artesãos executam as baquetas das caixas e as massetas dos bombos de forma manual, com exceção de Fernando Laranjo Brasinha, Fernando Geraldes Brasinha e Álvaro Gonçalves, que recorrem ao torno e de Emílio Figueira e João Faísca Barreiros, que as compram numa loja de instrumentos musicais. Essas massetas, maçanetas ou mocas para os bombos e para as caixas, são construídas manualmente em madeira de espécies escolhidas pelos construtores. António Nunes dos Santos utiliza pseudotsuga, por ser mais leve. Américo Simão utiliza preferencialmente madeira de castanheiro, embora já tenha utilizado madeira de carvalho ou de pinho. Domingos Fernandes utiliza madeira de laranjeira, macieira ou carapeteira negral para as massetas das caixas e de laranjeira para as baquetas das caixas. Natalino Alves utilizava pinho (por ser uma madeira leve e resistente) e castanho, embora tivesse preferência por uma madeira da qual não sabe o nome, que era proveniente de um terreno de um familiar. Paulo Piçarra Bernardino, Fernando Laranjo Brasinha e Fernando Geraldes Brasinha utilizam madeira de castanheiro para as massetas dos bombos e de freixo para a das caixas, por ser uma madeira mais leve e resistente. António Estêvão só utiliza madeira de castanheiro. Álvaro Gonçalves tem preferência pela madeira de freixo, por não partir tão facilmente. Para os bombos são fabricadas massetas com cerca de 30 cms. de comprimento. A extremidade que constitui a cabeça é feita com uma “bola” de cortiça que é encaixada no cabo de madeira, depois de ter sido furada. Para finalizar é forrada a pele de cabra. É esta parte da “cabeça” que irá percutir na pele do bombo. No lado oposto, ou seja, na extremidade do cabo, é furado um orifício, onde corre uma tira de couro que servirá para envolver o punho do tocador a fim de se não soltar durante o toque do instrumento. Para as caixas, as massetas ou baquetas são constituídas só em madeira. Com cerca de 40 cm de comprimento, a sua superfície de percussão é constituída por uma secção elíptica maior que o cabo da peça. Em Lavacolhos, os bombos são tangidos nas duas membranas, razão pela qual as massetas levam denominações diferentes: a maçaneta que bate a pele do lado direito é a “batedeira”, ao passo que a do lado oposto leva o nome de “berdoeira”. Esta última designação corresponde a um paralelismo com o nome da pele que nas caixas leva o referido bordão – e daí berdoeira. Na verdade, os tocadores de Lavacolhos apresentam a singularidade de tangerem os bombos dos dois lados da pele, atingindo assim interpretações com mais riqueza rítmica. Ao batimento da mão esquerda chamam eles o “dobrar o toque”. As baquetas das caixas são constituídas por madeira e têm cerca de 40 cms. de comprimento. A extremidade percussora é mais volumosa e arredondada, com a forma elíptica. Não levam qualquer forro ou cobertura. Esse topo de madeira mais volumoso bate diretamente na pele. Como remate da construção, poderá o artesão pintar o fuste (tambor) e os arcos exteriores, geralmente de cores garridas, ao seu gosto ou ao dos clientes. Pormenorizemos agora algumas circunstâncias concretas da construção de bombos e caixas, que tivemos a oportunidade de acompanhar em conversas, entrevistas semiabertas e semidireccionadas e demonstrações efetuadas pelos construtores de bombos para esta candidatura e para a obra de José Alberto Sardinha Fundão – memória, tradição e música, ed. Câmara Municipal do Fundão (no prelo): Segundo Américo Simão (que herdou a aprendizagem do seu avô), de Lavacolhos, os bombos devem ser feitos de pele de cabra, porquanto, segundo alguns construtores e tocadores, não pode ser de chibo. É de silva o aro em que são envolvidas e cozidas as pontas das peles. Para tanto, essas varas de silva são desbastadas dos picos e vergadas em verde. A pele é cosida a este aro de silva, cortada e ajustada nos dois topos do tambor, com o pêlo para fora. O tambor, em chapa metálica, é cortado e formatado pelo artesão. As pontas são soldadas. Depois, fica entalada no fuste a pele pelos arcos de madeira, que são ripas de castanho que se colocam a encimar exteriormente os topos do tambor. É nestes arcos que são por fim colocados os ganchos de metal, por onde é laçada a corda ao longo da superfície do tambor, diagonalmente, a qual acaba por fixar todo o conjunto. Estes arcos exteriores são de madeira de castanho. Esta madeira é comprada em ripas já cortadas. Põem-se as ripas de molho e são aquecidas para serem vergadas em redondo. A chapa que constitui o tambor leva um buraco, a que se dá o nome de ouvido, porque “serve para fazer sair o som”. O veio da pele deve ficar orientado em direção ao ouvido e à união do fuste. Natalino Alves Rosário Alves (nascido em 1941, recentemente falecido), que também era de Lavacolhos, tinha um processo de construção semelhante. Ele começou a construir bombos depois de se reformar de serralheiro mecânico, para oferecer um ao neto. Utiliza fustes de chapa zincada. Ele cortava, dava forma ao fuste, soldava as pontas para ficar com a forma requerida. No final fazia o “ouvido” e pintava o tambor. Utiliza exclusivamente pele de cabra. Para ele, quanto mais magra fosse a pele, melhor som ela produzia. O aro é em silva, ao qual são retirados os picos e formatados em redondo e as pontas presas com arame. A pele de cabra, depois de estar submersa em água, é colocada estendida com o aro de silva por cima; a pele é então cortada à medida e cozida. O pêlo da pele é cortado e a pele é deixada secar encaixada no fuste. Os arcos, em madeira de castanheiro, são comprados já com as medidas e espessura requeridas numa serração, são dobrados em círculo, com a ajuda de calor, depois de terem ficado submersos em água. Depois de secarem as peles, são colocados os arcos que fazem encaixar as peles e os aros no fuste com o auxílio de grampos. Posteriormente são colocados os ganchos de metal e apertados com corda de sisal. Em Silvares, o processo utilizado por Paulo Bernardino (nascido em 1936) é idêntico. Os aros em que são envolvidas as peles são feitos de silvas. Cortadas as silvas no campo, as mesmas são desbastadas e vergadas em redondo, a fazer um círculo, e cosidas as pontas com fio de algodão. Depois, coloca uma pele de cabra molhada em cima de uma mesa, corta-a em redondo à medida do arco de silva e coze-a a este com o mesmo fio de algodão. O tambor é de folha de zinco, que é comprada (outrora bidões). Como foi serrador de profissão, vai a uma serração escolher a madeira, compra umas fitas de madeira de castanho, mais finas ou mais grossas conforme se quiser dar mais resistência ao bombo. Com muito cuidado e com a ajuda da mulher, dobra estas ripas de madeira até fazer o redondo, unindo as pontas com pregos. Depois, coloca as peles (previamente cosidas aos aros de silva), nos dois topos do tambor e encaixa-lhe o arco de madeira para segurar a pele. Mete-se as dobras da pele para dentro. Por fim, coloca grampos de ferro ao longo do redondo do arco de madeira e corre-lhe uma corda para apertar. O bombo está pronto, só faltando pô-lo ao sol para a pele secar. Também de Silvares, Álvaro Pires Gonçalves (de 68 anos) constrói de uma forma em tudo semelhante a Paulo Bernardino. Primeiro é feito o fuste, em folha de zinco. Para os aros utiliza pernadas de silva, que são desbastadas, dobradas em círculo e as pontas unidas com pedaço de arame. As peles de cabra, depois de molhadas, são colocadas por cima do aro, cortadas e cosidas neste. Os arcos, em madeira de castanheiro, são comprados numa serração com o comprimento e espessura requeridas. As ripas desta madeira são submersas em água e, depois de maleáveis, são formatadas à medida em forma circular. Neste passo pode ser utilizado fogo para a madeira ficar mais maleável. As pontas dos arcos são presas com arame. O pêlo das peles de cabra é cortado com uma tesoura. Os aros com as peles são encaixados nas duas faces do tambor e presos com os arcos. Depois são colocados nos arcos os grampos e é colocada a corda para apertar o instrumento. Fernando Laranja Brasinha (nascido em 1941), de Silvares, utiliza um processo de construção do instrumento em tudo semelhante aos anteriores. Como foi serralheiro de profissão, tem facilidade em construir o fuste. Cortava e dobra a chapa com o recurso a uma fieira e a uma calandra. As pontas da chapa são soldadas para obter o formato correto e abre um pequeno furo no fuste. Para os aros utiliza silva que corta no campo. As pernadas são limpas, formatadas em formato circular e as suas pontas presas com fio. Depois de secas, é-lhes cosida pele de cabra molhada. A pele de cabra, já cosida no arco, é colocada a secar encaixada no fuste. Depois de seca, o pêlo da pele é cortado. Os arcos, em madeira de castanheiro, são adquiridos numa serração com as medidas pedidas. Eles são submersos em água e dobrados em forma redonda, com a ajuda de um molde. Se necessário, é dado calor à madeira para ela dobrar mais facilmente. Os arcos são presos a um molde com o recurso a ganchos metálicos e as suas pontas são presas com arame. Sobre as peles de cabra, encaixadas nos dois topos do tambor, com o pêlo para fora, são colocados os arcos. A estes, já encaixados no fuste, são ajustados os grampos, onde vão correr as cordas que prendem e afinam o instrumento. Fernando Geraldes Brasinha, de Aldeia Nova do Cabo com 49 anos, constrói bombos da mesma forma que o seu pai, Fernando Laranja Brasinha (falamos no presente do indicativo não obstante ele ter informado ter abandonado a construção, como adiante será referido). Adquire o fuste já feito a latoeiros, um dos quais, João Baietas, do Castelejo (falecido), também construía bombos e caixas. Os aros para o bombo ou para a caixa são feitos com pernadas de silva recolhidas no campo. São-lhe retirados os picos, e depois dobradas em círculo, unidas as pontas e colocadas a secar. A pele, de cabra, é adquirida seca e colocada em água para ficar mais maleável. A pele é então esticada e colocada numa mesa com o aro por cima. A pele é cortada à medida e cozida ao arco. As peles são encaixadas no fuste e deixadas a secar. Depois de secas, o pêlo é cortado com uma tesoura. Os fustes são pintados com a cor indicada pelo cliente. Os arcos, de madeira de castanheiro, são comprados numa serração de acordo com as suas indicações. Eles são submersos em água para ficarem mais maleáveis. São dobrados manualmente com o recurso a um molde, onde a madeira fica presa. As pontas dos arcos são unidas com arame. Os arcos são então encaixados sobre as peles e os dois topos do tambor. São então colocados grampos no correr dos arcos e colocada corda nos grampos, que prendem e estabilizam o instrumento. António Joaquim Estêvão, de Alcaria e com 66 anos, constrói bombos de forma e com técnicas semelhantes às de Américo Simão. António aprendeu a construir bombos numa oficina de construção destes instrumentos, orientada por Américo Simão em Novembro de 2019. Entretanto reformado, António Estêvão dedica-se a construir bombos para oferecer a familiar e amigos. Domingos Afonso Atalaia Fernandes, também conhecido por “Inverno”, é do Alcaide e nasceu em 1937. Os materiais que utiliza na construção de bombos e caixas são diferentes dos já retratados. Domingos Fernandes constrói os fustes com metal proveniente de frigoríficos e de arca de congelação avariadas. Também utilizou bidões e comprou chapa de zinco. A chapa para o fuste é cortada de acordo com as medidas pretendidas para o instrumento. Ela é dobrada manualmente com o recurso a um molde e soldada para ficar com a forma redonda. É feito um pequeno furo no fuste. A chapa é pintada de acordo com as indicações dos clientes, mas há quem as queira com a cor que já têm. Para os aros, utiliza fitas de aparelho de ar condicionado por considerar que são mais fáceis de moldar. Também já utilizou barras de alumínio, silva, que por vezes tinha dificuldade em encontrar e em madeira de castanheiro, que adquiria a António Nunes, de Alcongosta. A pele utilizada é preferencialmente de cabra, pois a do animal macho tem um cheiro muito intenso. A pele é submersa em água de um dia para o outro para ficar maleável. Ela é estendida, cortada à medida e cosida nas fitas. As peles, já cosidas, são colocadas no fuste e, sobre estas, um arco de alumínio. São colocados uns grampos aos quais são presos uns “baraços” e a pele fica a secar. Depois de seca, o pêlo da pele é cortado, e são colocados os “baraços”. É então colocada a corda corrida nos grampos, apertada e o instrumento fica pronto a ser utilizado. No Salgueiro, Emílio Abrantes Figueira (73 anos) e João Faísca Barreiros (71 anos) utilizam na construção de bombos e caixas materiais diferentes aos já referidos. Eles começaram a construir bombos e caixas já reformados, por divertimento. Emílio Figueira constrói o fuste com o recurso a fórmica comprada numa serração. A fórmica é colocada em água e dobrada. As pontas são coladas, presas com grampos e coladas novamente. O fuste é reforçado por dentro com madeira colada. Utiliza pele de cabra ou de chibo. A de chibo cheira pior mas é mais resistente. A pele, depois de molhada é estendida e cosida a um arco de cabos de fios de eletricidade cujas pontas são soldadas depois de formatados em círculo. Os arcos que Emílio Figueira constrói são em negrilho porque lhe deram uma árvore. Os arcos são cortados à medida numa serração. Eles ficam submersos em água para ficarem maleáveis. São formatados em forma circular e as pontas unidas com arame. Os aros são então colocados no fuste e sobre estes é entalado o arco. São então colocados nos arcos os ganchos e é colocada a corda que mantém o instrumento montado. As peles ficam a secar e no final o pêlo é cortado. João Barreiros constrói bombos de forma semelhante aos outros construtores. O fuste para os bombos e caixas são em fórmica, embora já tivesse utilizado chapa. A fórmica é comprada à medida numa serração. Ela é submersa em água, é conformada em forma redonda e as suas pontas são unidas com o recurso a cola e a grampos. João Barreiros só utiliza pele de cabra que é comprada seca. A pele fica submersa em água e é posteriormente cosida ao aro, construído por “fios grossos” de eletricidade. Também já utilizou silva, mas prefere trabalhar com aqueles fios. As peles são esticadas, cortadas à medida e cosidas com fio de nylon. Os arcos são comprados com a medida requerida para o instrumento. Utilizou madeira de castanheiro e fórmica. A madeira é submersa em água para se tornar mais maleável, é conformado em círculo e as suas pontas são unidas com recurso a cola e a grampos. Os arcos são então colocados nos dois topos do tambor e sobre eles são encaixados os arcos. São então colocados ganchos nos arcos que vão ser repuxados por uma corda que os esticam e mantêm em tensão. A pele é deixada a secar e no final o pêlo é cortado. Em Alcongosta entrevistámos António Nunes dos Santos, nascido em 1936, cesteiro de profissão, muito conhecido nas feiras de artesanato que frequenta regularmente como artesão do concelho fundanense e representante da célebre arte da cestaria de Alcongosta, hoje em declínio. Alcongosta era terra de cesteiros afamados que se forneciam da sua matéria-prima nos castanheiros da Serra da Gardunha, como adiante se explicará. Percorriam as feiras de uma vasta área geográfica, para venderem o produto da sua artesania. Além de cestos, António Nunes dos santos também fabrica bombos, caixas e adufes. A pele dos bombos deve ser de cabra velha. Nunca de chibo, que cheira mal. António Nunes mergulha a pele em água durante uma noite, deitando-lhe um produto. No dia seguinte, escorre a água e coloca a pele em cima do tambor, enrolando as bordas da pele num aro, rectius uma vara de rebento de castanheiro. Não coze. Usa uma espécie de cola. Não gosta dos aros em silva porque, segundo diz, ganham bicho com o decurso do tempo. O tambor é feito de tabopan. Antigamente eram feitos de bidões velhos, cortados à medida. António Nunes dos Santos não optou pelas chapas de zinco agora muito utilizadas. Prefere o tabopan porque os bombos ficam mais leves e porque naquela altura era-lhe difícil arranjar tais chapas. Fez uma forma “para fazer o redondo” e foi aperfeiçoando a sua técnica de construção. Depois de enrolada a pele no aro das faces, superior e inferior, ou seja, os topos do tambor, coloca-lhes um outro arco, o arco de vista, que encaixa em cima da pele já presa e que fica seguro pelos grampos, os quais são logo repuxados por uma corda que fica a exercer a sua função de retesamento ao redor de todo o tambor. Este arco de fora também é de madeira de castanheiro, cortada em ripas. No interior do tambor coloca-se outro arco, igual ao do exterior, também de castanho, que fica preso com cola e pregos. Na face (circular) do tambor faz-se um pequeno orifício em redondo, um “respiradouro” que servirá por um lado para as peles respirarem e por outro para o ar sair quando as peles levam as pancadas do tocador – daí que também lhe chame ouvido. De contrário, as peles duram pouco. As ripas de madeira de castanho que servem para os arcos dos bombos são as mesmas que os cesteiros usam na sua arte. Resultam dos rebentos daquilo a que se chama “castaceira”: corta-se um castanheiro quase rente ao solo, ficando só o cepo. Deste cepo nascem rebentos que crescem em altura de cerca de dois metros e que são cortados de quatro em quatro anos. Essas varas são enterradas e vão-se tirando do solo à medida das necessidades. Depois, têm de ser mergulhadas em água durante dez dias e então são “lavradas” (cortadas e aplainadas) em cima da “mula”, tal como faz para os cestos. No final desta operação, se a vara, agora em ripa estreita, estiver muito grossa, é aberta e rasgada ao meio de alto a baixo, ficando então pronta a ser aplicada quer nos cestos quer nos bombos. Também a madeira de castanho prefere António Nunes dos Santos aplicar como fuste destes instrumentos, dizendo expressamente que era esse o material dos artefactos mais antigos. Aliás, ele enfrentou dificuldades em arranjar chapas de metal – e isso foi adjuvante para ele adotar a madeira, que tem de enrolar em redondo, técnica que foi aperfeiçoando com a experimentação. Deverá notar-se que o aro onde a pele é enrolada e cosida é redondo (de secção redonda), resultante de rebentos mais novos (e por isso mais finos) que não chegam a ser lavrados, ao passo que o aro exterior é uma ripa (lavrada nos termos acima descritos), que é dobrada, ou melhor, vergada até atingir a forma circular que permite seja aplicada em ambos os topos do tambor. A construção das caixas é, para todos os construtores, em tudo idêntica à dos bombos, exceto na altura do fuste, que é notoriamente mais curto, bem como no seu diâmetro, também mais pequeno (como, obviamente, as peles que aí se colocam). Daí que o som que delas se desprende não seja tão grave, tão troante e cavo, antes mais agudo e estrídulo. No mais, o método e os materiais de construção são os mesmos: os aros de silva, as peles de cabra, os arcos de castanho, os grampos, as cordas. O material de batimento é, nos dois casos, em madeira, mas a sua forma também é diferente: as mocas ou massetas dos bombos são mais curtas e, na ponta, mais volumosas, ao passo que as baquetas das caixas são mais finas e mais longas. Antigamente não se construíam bombos pequenos nem médios. Só bombos grandes e caixas. Ultimamente, porém, a procura de bombos determinou mais variedade, ou seja, a construção de bombos de dimensão média e até pequena. Os pequenos têm um diâmetro igual ao das caixas de rufo. As diferenças entre a caixa e este bombo pequeno residem no seguinte: naquela, a chapa de zinco, a que se chama tambor, é mais estreita, sendo, portanto, o fuste do bombo pequeno mais alto do que o da caixa; nas caixas, a pele não tem pêlo (cortam-se os pêlos: “o pêlo abafa o som”); e as baquetas são longas e finas, ao passo que a moca dos bombos pequenos é semelhante à dos grandes, salvaguardadas as respetivas proporções. Por outro lado, importará salientar o estudo organológico que constitui o livro sobre os Instrumentos Musicais Populares Portugueses, empreendido por Ernesto Veiga de Oliveira, a quem se fica a dever, em 1964, a primeira alusão à construção dos bombos e caixas no concelho do Fundão. Refere o saudoso etnólogo que “na região do Fundão o conjunto dos “bombos” ou Zés-Pereiras beirões, composto (...) de enormes bombos e caixas, a acompanhar o instrumento melódico (a flauta travessa). Estes bombos são famosos pelo seu brio nas festas locais, onde acompanham também cantares e danças; e são tão grandes que têm de ir apoiados sobre a coxa direita do tocador quando este caminha, e é em verdadeiros saltos que ele bate com as massetas, deixando as peles ensanguentadas”. Depois, referindo-se genericamente a outras regiões do país, onde incluído está o Fundão, descreve minuciosamente a construção do bombo: “as peles são enroladas, em molhado, em duas varas flexíveis, arqueadas em círculo – os arquilhos – que se ajustam aos bordos de cada topo do fuste; por vezes, para melhor as fixar, elas são cosidas depois de enroladas, com um fio que envolve o arquilho a toda a volta. Os arquilhos com as peles esticadas são mantidos em posição por meio de dois arcos – os arcos – pousados sobre cada um deles, que se seguram e firmam mutuamente, prendendo-se um ao outro pela corda (...) Os fustes – ou cascos – (...) há-os também de folha metálica. Para os arcos emprega-se qualquer madeira resistente e de veio corrido, castanho ou mimosa de preferência, que vergue no sentido desse veio”. Concretamente sobre os bombos beirões (entenda-se, do Fundão) assinala “um sistema original de aperto da corda, sem arrochos, em que a própria corda, em lugar de passar simplesmente de grampo a grampo, vai, na mesma passagem, duas vezes a cada um deles, formando engenhosamente, a meio da largura do casco, um só entrecruzamento corredio, que aperta e firma, conforme se pretende, as duas passagens anteriores”. Sobre a construção das caixas, refere por fim que “pela sua estrutura geral, peças constitutivas e sistema de fixação e graduação das peles, assemelham-se aos bombos, e mostram a mesma variedade de sistemas que estes; mas distinguem-se deles e caracterizam-se em especial pelas suas menores dimensões máximas, e sobretudo pela existência de um ou mais bordões sobre a pele inferior – a berdoeira. Esses bordões são geralmente de tripa e fixam-se a um registo que gradua a sua tensão”. Ernesto Veiga de Oliveira integrou um bombo e uma caixa e respetivas baquetas, oriundos de Lavacolhos, na coleção de instrumentos musicais que reuniu entre 1960-64, no âmbito do estudo de campo e do livro suprarreferido, patrocinado pela Fundação Calouste Gulbenkian, hoje à guarda do Museu de Etnologia. Ambos os instrumentos têm fuste de lata e pele de cabra. A caixa tem a particularidade de ostentar uma pequena placa de chapa soldada, com a inscrição: “S.P.L. ano – 1910”.
Tipo | Circunstância | Detentor |
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Não existem direitos individuais, visto tratar-se de um património coletivo de carácter tradicional e consuetudinário. | Cada construtor possui direitos próprios sobre cada peça, bombo ou caixa, que fabrica. Com a respetiva venda, os direitos são cedidos. Não há conhecimento de qualquer especificidade construtiva introduzido por algum construtor, eventualmente suscetível de conferir direitos próprios, que aliás nenhum construtor refere nem reivindica. Nomes dos construtores vivos, embora nem todos ativos, como referido: Álvaro Pires Gonçalves, Américo José Barroca Simão, António Joaquim Estêvão, António Nunes dos Santos, Domingos Afonso Atalaia Fernandes, Emílio Abrantes Figueira, Fernando Geraldes Brasinha, Fernando Laranjo Brasinha, João Faísca Barreiros e Paulo Piçarra Bernardino. | Artesãos de bombos e caixas |