Ficha de Património Imaterial

  • N.º de inventário: PROC/0000000197
  • Domínio: Expressões artísticas e manifestações de carácter performativo
  • Categoria: Atividades lúdicas
  • Denominação: Jogo do Pau
  • Contexto tipológico: Manifestação artística que pretende representar a ancestral arte de defesa/ataque de pastores e agricultores da região de Basto que sempre usaram o pau como arma de arremesso.
  • Contexto social:
    Grupo(s): Associação Recreativa, Desportiva e Cultural de Abadim - ARDCA; Associação Desportiva e Cultural S. João Baptista de Bucos
  • Contexto territorial:
    Local: Freguesias de Abadim e Bucos
    Concelho: Cabeceiras de Basto
    Distrito: Braga
    País: Portugal.
    NUTS: Portugal \ Continente \ Norte
  • Contexto temporal:
    Periodicidade: Semanal
    Data(s): Fim de semana e festas
  • Caracterização síntese:
    O Jogo do Pau caracteriza-se por ser uma técnica de defesa/ataque com uma arma barata e simples, de fácil acesso ao camponês. Este usava o seu varapau quer como defesa nas suas lides de pastoreio, quer quando tinha de se defender de qualquer quezília, para que era desafiado e não raras eram as vezes, nas feiras semanais, ou mesmo quando alguém lhe saia ao caminho. Com o decorrer dos tempos, a abertura das sociedades campesinas à urbanidade este hábito caiu em desuso, mas esta arte continuou a passar de geração em geração, agora como um jogo de apresentação que exige treino físico e destreza intelectual.
  • Caracterização desenvolvida:
    O jogo do pau é uma técnica de luta, em que a arma é um simples pau direito e liso, com altura aproximada do nariz de um individuo, habitualmente manejado pelos contendores, que procuravam por um lado, atingir o (s) adversário (s) e, por outro, defender-se dele (s) e melhor possível. Refira-se que o homem sempre teve necessidade de se defender (luta pela sobrevivência) de animais selvagens, que eram uma ameaça, pondo em risco os mais desprevenidos Assim, começou por utilizar o que a natureza lhe punha à disposição como pedras, paus, etc. Em Portugal, havia duas áreas distintas onde ele se praticava. Uma nortenha, compreendendo as províncias do Minho, Douro Litoral, Beira Alta e Beira Litoral e uma outra mais a Sul, compreendendo o Ribatejo e parte da Estremadura (incluído Lisboa). Há quem pretenda encontrar, se bem que tal teoria permaneça muito discutível a origem deste tradicional jogo português no Minho. Do Minho ter-se-ia estendido a Trás-os-Montes e às Beiras. Depois, com as migrações para capital, os minhotos também terão levado o jogo que se espalhou pela Estremadura e Ribatejo. Indubitável é, todavia, que o jogo do pau, do ponto de vista da sua natureza, do seu significado cultural e do contexto geral em que se integrava, apresenta-se sob duas formas perfeitamente distintas: uma o jogo combate, que era uma luta propriamente dita, autêntica dura e rude, que visava efetivamente dominar ou inutilizar os adversários (predominantemente no Norte); outra, o jogo desporto, torneio atlético, combativo, exibicionista, mas sem intuitos agressivos (dominante no Sul). Com efeito, o homem rural nortenho, geralmente, não possuía armas de fogo. Apesar disso, vivia-se numa atmosfera de violência e de perigo latente em que as agressões e os ataques eram sempre de recear. Associado ao já dito, havia, em tempos mais antigos, um banditismo à mão armada que infestava os lugares mais solitários e ermos. Por todo esse conjunto de razões, o pau era companhia, apoio e arma de defesa e ataque, utilizada em rixas e contendas constantes. Na verdade, as oposições e rivalidades entre as gentes de aldeias próximas eram norma, por razões mais ou menos graves, por vezes insignificantes: mulheres, águas, cães… Pelo que vem sendo dito, o jogo do pau integrava-se não só num determinado contexto geográfico, mas essencialmente, num contexto sociocultural específico. O Concelho de Cabeceiras de Basto, não fugiu à regra. Por todas as freguesias umas mais outras menos, se praticava o jogo do pau. Destas realça-se as freguesias de Abadim, Bucos e Cavez. Os tempos mudaram, as condições sociais, económicas e culturais também, pelo que, hoje em dia, já não se pretende “varrer feiras”, nem “ajustar contas”, mas sim dominar uma técnica, educar a mente e o corpo, desenvolver capacidades de decisão e rapidez de reflexos. Hoje, jogar o pau, é fundamentalmente praticar uma atividade física e cultural, mas é também prestar culto aos antepassados (mestres), revivendo ao mesmo tempo dias gloriosos de um Minho ou outra pacata região do país animado com cenas de pancadaria. Ex. Noites de Lamego “Como ela o Amava” – Camilo de Castelo Branco, a “Síbila” de Agustina Bessa Luís ou “O Malhadinhas” de Aquilino Ribeiro. No Concelho de Cabeceiras de Basto, atualmente existem dois Grupos/escola que ainda mantêm viva a tradição do Jogo do Pau. Estamos a falar concretamente do Grupo de Jogo do Pau de Abadim e do Grupo de Jogo do Pau de Bucos. Assim, com esta candidatura pretende-se defender, preservar e divulgar o jogo mais genuinamente português - cultura ancestral que passou de pais para filhos e chegou aos nossos dias.
  • Manifestações associadas:
    Para um bom Jogo do Pau é necessário um pau com determinadas características. A árvore de lodão é uma das mais indicadas para o fabrico dos paus para o jogo. A forma como é cortada, e como o pau é talhado, tornou-se numa arte construtiva que hoje repousa na mão de apenas um mestre residente na freguesia de Bucos. Esta arte pode considerar-se manifestamente em perigo de extinção.
  • Contexto transmissão:
    Estado de transmissão activo
    Descrição: Em Cabeceiras de Basto, concretamente nas freguesias de Bucos e Abadim, mantêm-se ativas duas escolas. Deve-se, no entanto, referir que as duas freguesias são atualmente alvo da desertificação do mundo rural. Deste modo, como se pode constatar, cada vez menos jovens se dedicam a esta prática. Como referido por um dos mestres da Escola de Bucos, na contemporaneidade não há mais crianças que se dediquem ao pastoreio, ou mesmo a qualquer lide agrícola. Esta evolução, não se pretendendo criticar, impede que os garotos ganhem apetência para manejo do pau desde muito tenra idade. Em tempos idos, o pau era um instrumento dominado por qualquer rapaz, bastando-lhe aprender as técnicas de defesa/ataque e praticar com um seu colega, para se tornar um apto Jogador do Pau. Daqui advém a importância que as escolas do Jogo do Pau, inseridas nas respetivas Associações. Atualmente são fundamentais para a preservação desta arte e, por consequência, têm vindo a ser apoiadas pelas suas Juntas de Freguesia, nomeadamente, de Bucos e Abadim, sempre acompanhadas, de perto, pela autarquia de Cabeceiras de Basto. Como prática que exige competências técnicas e psíquicas, o treino deveria ser feito semanalmente. Fruto da desertificação das aldeias, em particular da movimentação dos jovens rumo às cidades, seja para ter acesso ao Ensino Superior, seja na procura de melhores condições de trabalho, os treinos tornam-se mais escassos, alargados no tempo o que poderá vir a comprometer a transmissão geracional da arte, como referido no ponto anterior.
    Data: 2022-02-10
    Modo de transmissão oral
    Idioma(s): Português
    Agente(s) de transmissão: Associação Recreativa, Desportiva e Cultural de Abadim - ARDCA, e Associação Desportiva e Cultural S. João Baptista de Bucos
  • Origem / Historial:
    Para o reputado etnólogo Ernesto Veiga de Oliveira , o homem do campo não possuía armas de fogo, utilizando o pau como utensilio nas suas lides agrícolas e de pastoreio, bem como arma de defesa que apendia a manejar desde tenra idade. No Norte, os homens saíam de casa munidos com o seu pau, prevenidos para qualquer encontro fortuito, ou alguma “espera” no caminho. Enquanto caminhavam a pé o pau seguia na mão deitado, porém, se a jornada era a cavalo, o transporte da arma era feito debaixo de uma perna (Oliveira, Festividades ciclicas em Portugal, 1984). Ainda segundo o mesmo autor, era sobretudo nas feiras e romarias que se desencadeavam grandes rixas, onde como pretexto servia uma qualquer provocação. O desafiante levantava o pau, enquanto o desafiado respondia “Eh amigos; é agora!!!” Logo dos dois lados se juntavam os respetivos grupos, lutando entre si. Era o “varrer da feira”, uma verdadeira batalha campal, onde no meio da poeira só era possível ouvir os gritos das mulheres que fugiam espavoridas. Não existiam limites, quase sempre terminando com vários homens ensanguentados e de cabeça rachada no meio do terreiro. Apenas um código de conduta nunca era ultrapassado: não se atacava inimigo que não tivesse pau na mão (Oliveira, Festividades ciclicas em Portugal, 1984). A aprendizagem e o domínio destas técnicas do jogo do pau faziam-se junto dos jogadores mais consagrados da região. Para Oliveira (1984), estes mestres nunca ensinavam a designada “ultima ponta”, ou seja, certos golpes de defesa e contra ataques rápidos. Estes ensinamentos guardavam para si, pois alongavam o tempo de aprendizagem, sentindo-se mais protegidos, pois, não eram raras as vezes que das suas escolas surgiam novos e muito capazes jogadores. A intervenção da guarda nas feiras e romarias e a desagregação da sociedade campesina fruto da abertura do mundo rural á urbanidade, pela influência de várias vagas migratórias, contribuiu, para o esmorecimento da prática, especialmente no Minho, muito embora, os migrantes a levassem um pouco a todo o país (Oliveira, Festividades ciclicas em Portugal, 1984). A aldeia de Bucos, de clima muito agreste, extremamente frio no inverno e com verões escaldantes, transforma a vida de pastores e agricultores numa árdua e dura tarefa. Como se constatou nas entrevistas realizadas, muitos dos seus habitantes, exímios jogadores do pau, partiram rumo á emigração, não pela fome, ou falta de casa, mas na busca de melhores condições de vida. Segundo Hopfer (1924) o jogo do pau era habitualmente exercitado nos pátios e quintais de Lisboa, por jovens ordeiros e trabalhadores, contrariando a ideia da burguesia de que esta prática indicava a presença de criaturas pouco recomendáveis. Estes jovens eram na sua maioria provincianos chegados do Minho e outras regiões do Norte que tinham um gosto especial pela prática deste exercício, tendo já praticado nas suas regiões de origem, onde era muito prestigiado. Nestes pátios e quintais, que o autor refere ter frequentado, até entrar no Real Ginásio Club Português, nunca verificou qualquer desacato. O mesmo autor regista, sim, um elevado respeito aos mestres e a todos os seus ensinamentos (Hopfer, Duas palavras sobre o jogo do pau, 1924). Em ambiente urbano a arte altera-se bastante. Torna-se um desporto de ginásio, sujeito a regras, por consequência muito mais disciplinado. Para Russo (1980) é possível afirmar a existência de duas escolas: a do Sul e a do Norte, sendo que esta última mantém as suas características de um jogo rude, mais viril, característica das zonas montanhosas ligadas ao pastoreio, apesar de atualmente também ser um jogo para entretenimento e espetáculo. Os referidos fluxos migratórios, encontram-se em várias regiões de Portugal, Brasil e na Europa. Vieram a ter grande influência no declínio da arte do manejo do pau, mas a dinâmica dos mestres caceteiros que permaneceram na sua terra natal e dos seus descendentes, tornou possível passar esta prática até às gerações atuais, mantendo-a viva na memória social de toda a comunidade local. Esta memória é essencial ao ser humano, já que ele vive em função do que se recorda não conseguindo ter existência plena sem memória. É através dela que ele se insere na sociedade e ganha a sua identidade, podendo, pois, dizer-se que memória e identidade são duas realidades indissociáveis (Fernandes, 2002). A memória individual forma-se quando cada individuo se revê no seu grupo (familiar, social, regional, …), com maior ou menor intensidade, com um elevado grau de tensão ou, ao invés, de uma forma pacifica. Daqui decorre que a recordação necessariamente envolve vários indivíduos, evocando a sua recordação como verosímil, através do recurso à comparação com as recordações dos diversos sujeitos. Por consequência, as diversas narrativas desde que coincidentes tornam-se uma memória social (Catroga, 2016). Salienta-se, pois, que cada individuo tem como suporte da memória, o grupo social em que se insere, sustentando-se assim que cada ser humano se deve apoiar na memória do grupo (Hobsbawm & Ranger, 2012).Esta memória social é que permitirá situar os acontecimentos no espaço e no tempo já que ela própria foi influenciada por estes dois elementos, sendo transmitida através das narrativas orais (Durkheim, 1967). Constatando-se que o jogo do pau é uma técnica de ataque/ defesa, implicando sempre a presença de dois ou mais jogadores, por excelência, as narrativas de memórias só poderão ser válidas na medida em que os indivíduos se integrem na comunidade para recordar. Ou seja, uma memória individual necessita sempre do outro para reviver, já que cada lembrança pessoal se articula com as lembranças do grupo social, criando assim uma cadeia onde se articulam recordações recíprocas. Daí que não existe um vazio cultural, já que a memória social propicia a que cada individuo tenha uma visão comum sobre o meio onde decorreu a ação narrada (Catroga, 2016). Neste pressuposto conceptual e atendendo ainda a que a linguagem é um meio por excelência de expressão da memória, recorremos aqui a um conjunto de narrativas selecionadas neste contexto para tentar entender e evidenciar como antigos jogadores do pau se posicionam na sua relação com a comunidade de Bucos, onde nasceram e vivem, tornando-se agentes da construção de uma identidade social. “Eu emigrei logo depois da tropa. Se cá tivesse ficado não tinha abandonado a prática do jogo, mas agora estou velho, já não tenho saúde. Mas o meu primo e os filhos ainda praticam e ou vou sempre ver. Era uma atividade que eu sempre gostei de praticar. Além de conviver com os colegas era um bom meio de defesa. Foi uma boa escola de vida…” Fenando Lima – Vila Boa de Bucos 23-10-2020 Este jogo, tal como refere o Sr. Fernando Lima não era encarado como um mero desporto. O tempo passado nas montanhas com os rebanhos tornava-se menos pesado quando, com os companheiros de pastoreio, jogavam o pau e se treinavam para qualquer eventualidade perigosa ou mesmo fatídica que lhes ocorresse. Os treinos semanais eram encarados como uma forma de se desenvolverem nesta arte, bem como a única forma de passarem algum tempo agradável com os amigos. A referência à prática como um bom meio de defesa e uma escola de vida, verificou-se uma constante nas narrativas dos nossos informantes. “Antes de emigrar eu era agricultor. Ia todos os dias com o meu rebanho para a serra. Lá me encontrava com os colegas e passar um bom bocado a jogar o pau fazia com que o tempo fosse mais ligeiro e até nos aquecíamos” Fernando Lima – Vila Boa de Bucos – 23/10/2020 Custódio Henriques Bastos, também emigrou para França, mas foi grande jogador do pau. Filho do Mestre Manuel Henriques Bastos, não deixa de salientar que além dos ensinamentos do pai o seu maior professor foi o Mestre Calado filho. “Eu sempre gostei de jogar o pau. Os rapazes da minha idade andavam todos com um pau na mão. Dessa época vivos só estamos dois. Sou eu e o Fernando Lima que foi sempre o meu parceiro de jogo. É uma tradição que não se devia deixar perder. O meu sobrinho lá vai mantendo a escola, o que é bonito. Quando anunciam uma apresentação, junta-se muita gente. Eu estou sempre lá. Neste jogo o importante é botar bem os olhos. Logo se fica a saber de que lado vem a porrada. (…) eu gostava de jogar….mas a idade não perdoa e o coração não ajuda. Mas ainda guardo o meu pau de lódão. É uma recordação para a vida.” Custódio Bastos – Além do Rio – Bucos – 24710/2020 Como se pode verificar, o Sr. Custódio Bastos, só não volta a jogar porque impedido por motivos de saúde. Mas, considera de grande importância que os mais jovens mantenham esta aprendizagem. A sua ligação à prática, apesar de, temporariamente, suspensa por ter emigrado, é tão forte que não larga o seu velho pau de lódão. Consegue explicar todas as técnicas essenciais para defesa/ataque e faz recomendações aos mais novos. No seu entender este jogo não é só o uso da força, mas a concentração máxima no parceiro e o desenvolvimento de reflexos rápidos. “A gente que vem de fora não sabe o que é o pau!!! No meu tempo era um pouco diferente. Por vezes ainda nos aparecia um estranho para nos desafiar quando íamos a qualquer feira. Do nosso grupo era sempre o meu irmão que avançava. Uma vez foi um grande rebuliço, porque desafiaram o nosso mestre, o Calado. Aí foi o meu pai que não deixou jogar. Ai Jesus, é que não sei quem sairia vivo….. Mas, esse tal de Barroso, não ficou satisfeito e na feira seguinte, juntou um grupo de homens, todos enganados, pois eram de fora da freguesia, e vieram fazer um ajuste de contas. O meu pai soube uns dias antes, avisou a guarda que lhes faz uma espera e lhes tirou todos os paus. Foi o que valeu, pois até armas escondidas havia para dar cabo deles, ia ser uma desgraça.” Custódio Bastos – Além do Rio – Bucos – 24/10/2020 Através das memórias do Sr. Custódio Bastos é possível ter a noção da gravidade dos acertos de contas, ou varrimentos de feiras referidos anteriormente, dado que este informante viveu presencialmente o acontecimento. A defesa do grupo e em particular do seu mestre, indica-nos quanto esta arte era vivida e sentida pela comunidade. Na hora de acerto de contas avançava sempre, não o desfiado, mas aquele que do grupo era tido como mais capaz para vencer a quezília. De memória mais esbatida dado a sua avançada idade, António Santos, com 94 anos, nascido na freguesia de Bucos em 1926, mas atualmente a residir no Brasil, prestou-nos via zoom informações importantes. A família Santos era composta por vários irmãos todos eles bons jogadores do pau. António dos Santos jogou durante 17 anos, desde a idade dos 10 anos até aos 27 anos, altura em que emigrou para o Brasil. Revelou-nos ser irmão de Ernesto Santos, um exímio jogador, que partiu para Leiria, onde trabalhou numa grande fábrica, tendo regressado a Bucos quando se reformou. Estes dois irmãos atuaram em Braga no ano de 1945 num espetáculo público a que assistiu António de Oliveira Salazar. Essa apresentação oficial desta arte esteve inserida no concurso “Aldeia Mais Portuguesa de Portugal”, onde Carrazedo de Bucos, terminou em segundo lugar. Para a exibição e elaboração do filme de candidatura contou com o apoio da Governo Civil de Braga, da Câmara Municipal de Cabeceiras de Basto e da Junta de Freguesia . Esta memória de António Santos é a primeira que nos refere o jogo do pau como uma maestria não de defesa/ ataque, mas, sim, de pura exibição. Pode ser encarada dentro do contexto político-ideológico do Estado Novo, sendo também certo que a partir do final da década de 50 do século XX o jogo do pau, na forma prática e integrada na vivência comunitária, como até então era conhecido, entra em decadência. Até ao final da década de 40 do século XX o jogo do pau aqui em Bucos teve o seu apogeu. Por aqui passaram grades mestres que formaram vários grupos. Era ainda o tempo das feiras e romarias, local onde se faziam os acertos de contas. O jogo tornou-se por isso muito violento, pelo que a GNR teve de intervir. Espetáculo não davam, juntavam-se nos treinos e aí muita gente os ia ver, até porque muitas vezes se pegavam entre eles. É a essência do próprio jogo, em que o objetivo é atingir o adversário. Quando isso acontece sai alguém ferido, normalmente na cabeça, que aqui a nossa prática é atingir essa parte do corpo. Houve jogadores que fizeram fama com esta arma na mão, a única que existia naquele tempo. Depois muitos emigraram, a intervenção da guarda começou a ser constante o jogo como prática para acerto de contas decaiu. Dos grandes mestres ainda se encontra vivo o Antonio Santos, que emigrou para o Brasil, irmão do Ernesto Santos que migrou para Leiria. Reformado e conhecido entre nós por Ti Ernesto, voltou a Bucos, onde se dedicou a ensinar a arte do jogo do pau às gerações mais novas. Foi com ele e com o meu pai que eu aprendi. O Ti Ernesto ensinou várias gerações…. Fernando Oliveira - Bucos – 10/10/2020 Este excerto da entrevista do Professor Fernando Oliveira permite redirecionar o olhar sobre o jogo, agora em nova dimensão. Se até certa altura esta maestria era usada como defesa/ataque, no decorrer da década de 40 e inicio da década de 50 do século XX passou a ser encarada como uma tradição, com o dever de se transmitir de geração em geração, dentro da comunidade. Veja-se o exemplo de Ti Ernesto que regressado à sua terra natal, logo formou um grupo e se dedicou a formar os mais novos nesta prática. As memórias aqui expressas indiciam a presença de uma memória social, que se pode reconfigurar numa identidade cultural. Torna-se, no entanto, necessário, inserir o contexto histórico, compreendendo-as nas suas diversas vertentes. Só assim se terá acesso a um vasto conjunto de práticas sociais que inscritas na sua historicidade poderão conduzir à (re)invenção de tradições. Estas alteraram-se com a mudança social não podendo mais ser as mesmas de quando surgiram. Dentro do novo modelo social já não é mais possível replicá-las. Donde, se deverá atender devidamente à história singular desta comunidade reconstituída por intermédio de suas memórias e tradições que no seu sentido de práticas rituais e simbólicas, sempre será, agora, um processo de (re)invenção (Hobsbawm & Ranger, 2012). Segundo Hobsbawm, as tradições inventadas devem ser constituídas por práticas de natureza simbólica ou rituais, oriundos de normas desde sempre aceites por um grupo social e que procurem transmitir determinados comportamentos, através da repetição, de determinados atos, o que implica necessariamente uma continuidade do passado. As alterações de um mundo em constante inovação e uma consequente nova estrutura da vida social tornaram a «invenção das tradições» verdadeiramente interessantes, principalmente aos historiadores, que passaram a adicionar o seu saber à descoberta de determinadas práticas. Salienta ainda o mesmo autor, que todas as tradições inventadas devem ter na sua base, a história como fonte de legitimação da ação, usando-a ainda como cimento de coesão entre o grupo. No mundo de hoje, já nada será como no passado tendo terminado a longa história do varrer de feiras e ajustes de contas, com as características de que vimos dando conta. Estas repousam agora, na memória individual de todos quantos a vivenciaram e por consequência, constituem nos nossos dias uma comunidade própria e singular, com uma memória coletiva única, que ao nível local, tentam reinventar a tradição, através da prática do jogo do pau como exibição. Nesta sequência, ousamos considerar que se pode estar perante a necessidade de se abrir aqui para um processo de patrimonialização, pois o património permite a atribuição a estas práticas um significado valorativo que lhes confere o estatuto de suporte de memória e de identidade. Estas mesmas práticas passam a constituir uma herança que a comunidade protege e transmite às gerações vindouras como fator de enriquecimento e coesão.
  • Direitos associados :
  • TipoCircunstânciaDetentor
    Direito consuetudinárioA prática do Jogo do Pau, nas escolas de Bucos e Abadim em nada colide com o respeito pelos direitos, práticas e garantias em matéria de defesa de direitos humanos. Pode mesmo afirmar-se que esta prática possui um código deontológico que se pauta pela ética e responsabilidade entre praticantes, o que se reflete na postura dos jogadores na sua vida diária.
  • Responsável pela documentação :
    Nome: Doutoras Lídia Aguiar e Otília Lage
    Data: 2021
  • Fundamentação do Processo : ver fundamentação do processo
Secretário de Estado da Cultura Direção-Geral do Património Cultural
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